Em Angola, onde falta tudo, o "boom" do petróleo atrai novos negócios·O hotel Palanca Negra, em Luanda, a capital de Angola, tem mais de 50 quartos. Os quartos duplos, muitos deles sem janela, têm duas caminhas de solteiro, estreitas e baixas, bem próximas entre si e distantes cerca de 50 cm da parede em frente, cada uma com sua mesinha de cabeceira. Ao todo não têm mais de 20 metros quadrados cada, incluindo um pequeno banheiro com sua minúscula box. O quarto individual é metade disto. O hotel cobra US$ 113 por um e US$ 100 por outro. A demanda é grande. Reflexo de uma cidade e um país onde falta quase tudo e que, ao mesmo tempo, experimenta taxas de crescimento exponenciais, 20,6% em 2005, 18,6% em 2006 e alguma coisa nessa faixa este ano, segundo as previsões.·A guerra civil que aniquilou o país terminou em 2002, e a reconstrução entrou na ordem do dia, movida a petrodólares, principalmente. Dos US$ 31,3 bilhões exportados no ano passado, o petróleo respondeu por 96%. Mas isso não quer dizer que Angola seja uma filial do paraíso em território africano. Está muito mais para seu eterno concorrente, impressão que marca imediatamente quem chega a Luanda, com seus de 5 milhões a 9 milhões de habitantes, dependendo de quem faça a conta. As estatísticas são estimadas, pois não há censo no país deste 1970.·O Palanca, cujo nome homenageia o belo e quase extinto antílope que é o símbolo nacional, fica dentro de uma área cercada, chamada cidadela, anexo ao maior estádio de futebol da cidade. Conformando-se com as acomodações, o visitante leva um soco no estômago ao transpor o portão da cidadela, cujo pátio já é um tanto caótico. Na rua em frente, a poeira envolve a tudo e a todos, levantada por um trânsito infernal e alimentada por uma obra de canalização de uma vala tocada por empresa da China. É o futuro ajudando a piorar o presente. Alguns metros à direita e a rua cruza com outra maior e ainda mais confusa: é a avenida Brasil, para os íntimos, porque em Luanda não há placas de rua.·O trânsito louco é dominado por enormes carros do tipo pic up 4x4 e por dezenas de vans azuis e brancas. São os "táxis", ou candongas, único arremedo de transporte público da cidade. Táxi mesmo, como se conhece no resto do mundo, não há, a não ser um inoperante serviço por telefone. Ônibus, idem, e é melhor que não haja, porque uma frota de cem veículos desse tipo seria suficiente para provocar um colapso na cidade. Em Luanda, para quem não se dispõe a andar nas entulhadas candongas (e não se vê branco, ou "pula", nos candongas), é imprescindível ter um carro. E com motorista, pois não há vagas para estacionar e também porque só se chega aos lugares por referências. Endereço é uma mera formalidade. E o motorista precisa ser esperto, saber cortar caminho, senão o dia se esvai na pasmaceira do tráfego poeirento.·Cortar caminho quer dizer entrar por lugares sem nenhum vestígio de urbanização, logo atrás das ruas principais, deparando-se com montanhas de lixo e com favelas, aqui conhecidas como "musseques", espalhadas pelo miolo da cidade. Segundo cálculos da organização não governamental Development Workshop, pelo menos três quartos da população da capital angolana vive nesses musseques. Vê-se obras por toda parte, a maioria tocada por chineses, que trouxeram mais de US$ 7 bilhões em financiamento e estão trabalhando directamente para o Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN). Há polémica sobre o aproveitamento desses recursos.·Não é preciso sair das vias principais para ver a marca da pobreza extrema. Dezenas, talvez centenas, de edifícios construídos pelos colonizadores portugueses nos anos 1950 e 60, abandonados às pressas e reocupados pela população local, têm hoje a aparência de favelas verticais, como os velhos conjuntos habitacionais construídos na mesma época no Rio de Janeiro para abrigar as populações removidas das áreas ricas da cidade.·Eles são sujos, cheios de lixo e de restos de esgotos na frente, a fachada caindo aos pedaços. A reportagem do Valor entrou em um desses prédios, um dos mais bem cuidados. Não há elevadores funcionando. Em muitos casos, os prédios tiveram os poços do elevador transformados em lixão. Baratas e detritos (há ratos em muitos deles) dividem o espaço de acesso às escadas, que não têm corrimão em metade dos seis andares.·Transposta uma grade de ferro chega-se à porta de um óptimo e espaçoso apartamento de dois quartos e dependências, uma autêntica cena do filme "Blade Runner". Todas as facilidades modernas estão lá dentro. O aluguer? US$ 50 mil por ano, pagos antecipadamente.·
(continua)
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